SAL - Comentário da Semana "Koniec" 15 Maio 2009 por José Pedro Calheiros

Morreu o pai da pantera cor de rosa, como um dia uma menina chamou a Vasco Granja. No deserto cultural do Portugal de alguns anos atrás, com uma televisão a preto e branco, condicionada a horários bem definidos, aparecia todas semanas um senhor muito simpático, de rosto comprido e grande sorriso que se dirigia a todos nós com a expressão "Olá Amigos". Com o Amigo Vasco (não confundir com o Camarada Vasco, também de rosto comprido e da mesma época), aprendemos a ser mais felizes. Mas também a ver que o mundo pode ser observado por diferentes ângulos. Escrevo este comentário profundamente agradecido a Vasco Granja e sem saudosismos patéticos do estilo "no meu tempo".

A realidade é que "nesse tempo" a televisão era feita por Vasco Granja, Sousa Veloso, Mário Viegas, José Barata-Moura, Pitacas Antunes, Vitorino de Almeida, Félix Rodriguez de La Fuente e muito outros. Gente que tinha o rosto que tinha, a voz que tinha, os meios que haviam, mas produziam verdadeiros conteúdos que chegavam a miúdos que gostavam de olhar o mundo e pensar que havia futuro e que havia outros mundos além do seu mundo. Mas em relação ao homem que criou a expressão portuguesa Banda Desenhada, há um mérito inquestionável que foi a forma subtil com que facilmente rasgou a impenetrável cortina de ferro trazendo leituras animadas e visões de esperança, de quem com meios reduzidos sabia o poder da criação face à torturante criação de poder. Todos ficamos a saber o significado da palavra checa Koniek. Alguns ficaram a saber que é possível transmitir mensagens com cinema de animação. Da América chegava a complicada mensagem da WB Cartoons em que o fraco e pobre ganha sempre ao forte e rico. Mas que coisa este pensar americano. Da Europa de Leste a ideia que um dia a opressão acaba e que mesmo com jornais velhos, latas vazias e uma espinha de peixe pode fazer-se animação. Este último exemplo é retratado comicamente na última aparição televisiva de Vasco Granja, brincando consigo próprio, numa homenagem proporcionada por Herman José. Há uns anos, Vasco Granja foi apanhado na sua última banda desenhada da autoria do terrífico Alzheimer. A semana passada o último quadradinho dizia Koniec. Eu e uma multidão de crianças da minha idade disseram adeus ao "Nosso Amigo", alguns como eu com uma profunda emoção e sem conseguir ler as legendas finais por termos os olhos turvos de tristeza.

Links YouTube
- Filme de Animação Chescoslovaco "A Mão" Jiri Trnka (1965) - Parte 1
- Filme de Animação Chescoslovaco "A Mão" Jiri Trnka (1965) - Parte 2
- Última aparição televisiva de Vasco Granja, brincando consigo próprio, numa homenagem proporcionada por Herman José.
- Reportagem SIC sobre o Koniec de Vasco Granja
- Reportagem RTP sobre o Koniek de Vasco Granja

Comentários
15 Maio 2008 - Ana Cristina Pereira
Caro José Pedro,
Muito obrigada por partilhar connosco não só as palavras mas também o magnífico filme.

15 Maio 2008 - Rui Fernandes http://www.flickr.com/photos/ruinog/collections/
Amigo Zé Pedro,
Um grande "Muito Obrigado" pelos links do amigo Vasco! Valeu!
E o comentário, excelente como é hábito ;-)
Grande abraço!

15 Maio 2008 - João Caiado
Olá JP,
Brilhante!
Os "comentários da semana" passaram a ser "leitura obrigatória" antes do fim-de-semana, mas a este último quero dedicar algumas linhas. De facto, penso que nas linhas que escreveste está reflectida a maneira de sentir, pensar e agir de uma geração na qual estão incluídos muitos dos caminheiros e amigos da SAL, e não só.
É notório o saudosismo que a recordação do Vasco Granja nos provoca, mas o mais importante é que nos permite recordar os valores que nos foram incutidos e que nos permitiram formar o nosso carácter e o nosso próprio " código de conduta". Lembramo-nos que fomos crianças e crescemos como crianças, brincando, rindo, chorando, divertindo-nos com os nosso amigos, vizinhos... e com aqueles amigos que nos visitavam através do ecran da "caixa Mágica" sem colorido e que era a nossa "janela para o mundo". Este Mundo que tanto mudou e no qual alguns não se revêem, mas que alguns pretendem mudar e do qual que outros aínda não desistiram... este Mundo em que vivemos e em que nós temos a nossa quota parte de responsabilidade de tentar manter e fazer avançar.
Assim, agradeço-te por me teres lembrado que fomos crianças e que eu fui e sou feliz porque que experienciei o Mundo através de vários "amigos" (que apenas agora recordo), mas que estão sempre comigo e com muitos outros, pois fazem parte da nossa vivência, cultura e imaginário.
Obrigado a ti JP e obrigado a todos os outros "amigos" de outros tempos. Não vos esquecerei.
Um abraço

15 Maio 2008 - Fernando Caiado
Lindo!
Parabéns pela homenagem ao grande Vasco Granja que nos ensinou a todos que há tempo para ser pequenino, crescer e saber ser Homem! ... Outras gerações, quando não havia internet e a alegria consistia no exercício do eu social e inocente. Que saudades desse tempo ...
Abraço,

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