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Blog O Comentário da Semana por José Pedro Calheiros

17 Janeiro 2011
Deu à Linda

A menina nasceu a 1 de Janeiro de 1986 e esteve quase a chamar-se Europa, mas em homenagem à avó materna, que se chamava Teodolinda, chamaram-lhe Linda. A mãe professora de sociologia, o pai arquitecto, ambos licenciados no início dos anos 80. Ela uma jovem ex-revolucionária de Abril da margem sul, ele um menino bem da classe média alta lisboeta. Viviam num T3 em Moscavide. A Linda cresceu e os rendimentos da família também, a mãe deixou a escola e no início dos anos 90 era formadora do FSE, ganhava nove contos por hora e o pai abriu um atelier onde ganhou vários projectos do município da câmara municipal onde trabalhava anteriormente. O atelier ganhou novos sócios, ligados ao regime, viu aprovado um projecto de modernização a fundo perdido. Tudo correu bem. Mudaram-se para o centro de Lisboa, subiram o nível de vida, amealharam.

E hoje estão bem na vida, com alguma segurança financeira. E a Linda ? Quando tinha 5 anos não foi para escola pública, uma grande amiga da mãe “Deu à Linda” a possibilidade de entrar num colégio privado, subsidiado pelo estado. Aos 7 anos, o pai “Deu à Linda” uma bicicleta com motor elétrico. Aos 10 anos, “Deu à Linda” um computador pessoal, que trocou dois anos depois por outro, ao qual acrescentou a play-station, a máquina fotográfica que ela perdeu no primeiro dia e recebeu outra. Aos 14 anos a família “Deu à Linda” as chaves de casa, e um ano depois “Deu à Linda” uma scooter, um telemóvel e as chaves do carro. Aos 16 anos, a mãe “Deu à Linda” um equipamento completo de Karaoke, “Deu à Linda” uma sessão para criar um book-fashion e “Deu à Linda” uma viagem de finalistas, onde um amigo “Deu à Linda” todo o seu grande amor. Mas ela acabou por chatear-se com ele, por lhe ter roubado a scooter e o último telemóvel que o pai “Deu à Linda”. Ela perdoou-lhe e agora são amigos. Já tinha tido vários computadores, mas era magnífico o portátil que o pai “Deu à Linda” aos 20 anos. Ela partiu-o numa briga com a sua colega de quarto, por esta lhe ter bisbilhotado o IPhone que a mãe “Deu à Linda”. Entrou numa faculdade privada e o pai “Deu à Linda” todo o curso, e o mestrado e a especialização. Sempre que passou a mais uma cadeira, o pai “Deu à Linda” tudo o que ela ansiava. Os pais da Linda eram muito amigos dela. Nunca lhe criaram dificuldades. Sempre que era preciso algo “Deram à Linda”. Hoje dão-lhe residência, almoço e jantar. Dão-lhe de vestir e uma mesada para copos. Ela anda à procura de emprego, mas é muito boa moça e trabalha como voluntária no banco alimentar. Nunca precisou de lutar por nada. Nunca aprendeu a fazer nada. Não vale nada. Será esta a geração “DeoLinda” ?

Comentários
18 Fevereiro 2011 - João C.
De facto, esta é a geração que Portugal criou e que os seus governantes e instituições ajudaram a criar, como resultado de anos de abundância, do crédito fácil, do facilitismo e do culto da desresponsabilização.
É fácil "escutar" os pensamentos de muitos cidadãos: "Eu sou Português, vivi oprimido durante décadas, agora que temos abundância tenho o direiro... a melhor remuneração, ao incremento do conforto, a uma casa nova, a uma vida social intensa, a deslocar-me num automóvel novo e pleno de funcionalidades e excentricidades,... tenho direito... porque sim. Contribui para tal, sou produtivo o suficiente para que este retorno seja lógico e ajustado.??? Isso agora não interessa, pois todos temos direito a melhorar". Sem dúvida, mas temos que fazer pela vida, todos, enquanto País, enquanto Nação. Temos que "semear para mais tarde colher". O quê? Tudos. O lucros resultam do investimento, do esforço e do empenhamento, do valor acrescentado que foi gerado por cada factor produtivo adicionado ao produto ou serviço criado. É necessário continuar a criar valor e não a adicionar custos sem sentido. Estes fazem parte da equação, mas não podem ser o resultado final. A história revela-nos que Portugal nunca soube conviver com o excesso e a abundância, pois facilmente surgem as perversões, o oportunismos e os parasitas. A história ensina-nos, mas não aprendemos. Houve melhorias significativas em muito, mas não foi suficiente. A culpa ... não é A, ou B, ... é de todos nós e é por todos nós que passa a solução. Estamos no país dos direitos, mas .... não nos podemos esquecer das responsabilidades. A responsabilidade de cada um enquanto pessoa, pai, filho, cidadão, contribuinte, trabalhador, ... enquanto homem, mulher, enfim... enquanto seres humanos pensantes e responsáveis pelas nossas acções e escolhas. Somos o que escolhermos ser. Ser Deolinda ... é apenas mais uma opção.

18 Fevereiro 2011 - Fernando C.
Não tenho nenhuma Linda ou Deolinda lá em casa. Não tenho luxos, nem gozo férias todos os anos em destinos paradisíacos para me lembrar mensalmente no extracto do cartão de crédito, não tenho a ambição do ter (até parece mentira), mas do ser (é verdade, eu sou mesmo assim), não tenho vergonha de dizer não posso, ou não quero. Sou filho da D. Lolita (apelido carinhoso de solteira), uma modista de Setúbal, mãe estremosa, nada ambiciosa, humilde mas profissional, esforçada e dedicada a uma honra que nunca perdeu. A Mãe teve dois filhos, e eu tive o meu melhor Amigo. A família era unida, havia pouco ... mas havia, não pedia ... mas sonhava, não queria porque não adiantava. Cresci e hoje sou assim, "poucochinho", muito caseiro, virado para o convívio com os amigos ... mas em casa, frequento restaurantes q.b., a minha mulher até sabe cozinhar, e o abraço de quem vai lá a casa é caloroso e sabe sempre bem. Não faço fretes! Contento-me em ter pouco ... basta-me a mulher, os filhos e os amigos ... o meu carro tem cinco anos! E porque agora tinha discurso para várias páginas e este texto não trata as minhas memórias remato com o seguinte: Deolinda, Linda, Lolita ... e outros que tais somos todos portugueses de Portugal, aquele que já nos deu, que nos pede e que precisa nós. E nós ... ainda precisamos dele? Eu, porque estou habituado ... continuo a Ser e a Sonhar!

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